08 a 12 de novembro de 2008

Comércio Exterior

Resultados
Pequenas empresas ganham mercado externo
País asiático é o terceiro destino dos produtos brasileiros
Queda na importação e nas remessas reduz saída de dólares
Petrobrás capta US$ 750 mi no Japão
Bolívia poderá fornecer mais gás ao Brasil

Agronegócio

Soja transgênica avança na União Européia
Exportador de carne suína encara futuro com cautela
Exportações do campo deverão cair em 2009
Indústria de frango reage à crise e reduz produção em novembro

Organização Mundial do Comércio (OMC)

A OMC apresentou novos textos para agradar exportadores e importadores
Indústria descarta novas concessões
EUA pressionam Brasil no setor químico
Amorim rejeita conversa com EUA sobre pontos de discordância na Rodada Doha
Amorim culpa Obama pelo fracasso da Rodada Doha

Plano Internacional

Alca de Lula reúne países da AL e Caribe e exclui os EUA



Comércio Exterior

a) Resultados

A balança comercial brasileira registrou na primeira semana de dezembro um déficit de US$ 435 milhões, segundo dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Segundo o ministério, as empresas brasileiras exportaram entre os dias 1º e 7 deste mês US$ 2,987 bilhões (uma média diária de US$ 597,4 milhões) e importaram US$ 3,422 bilhões (média diária de US$ 684,4 milhões). As exportações ficaram 16% menores que as de dezembro de 2007, enquanto as importações cresceram 33% na mesma comparação, ambos pela média diária.

No acumulado do ano até a primeira semana de dezembro - 236 dias úteis -, o saldo comercial foi de US$ 21,998 bilhões (média diária de US$ 93,2 milhões). Pelo critério da média diária, o superávit comercial foi 41% menor que o registrado no mesmo período do ano passado (US$ 158,1 milhões). As exportações somaram US$ 187,1 bilhões (média diária de US$ 792,8 milhões), uma alta de 24,4% sobre a média diária das exportações no mesmo período de 2007 (US$ 637,5 milhões). Na mesma comparação, houve um crescimento de 46% nas importações brasileiras - que alcançaram média diária de US$ 699,6 milhões em 2008 (total US$ 165,114 bilhões).

Sobre a média diária registrada em novembro de 2008 (US$ 737,7 milhões), a queda das exportações foi de 19%. Nesta comparação houve queda nas vendas de produtos das três categorias: básicos (-25,4%), semimanufaturados (-25,2%) e manufaturados (-12,2%). Nas importações, a alta foi de 4,2% sobre a média diária de novembro. Sem combustíveis, as importações caem 4,4% na mesma comparação.

b) Pequenas empresas ganham mercado externo

As micro e pequenas empresas (MPEs) que têm conseguido atravessar os obstáculos para emplacar seu produto no exterior bateram recorde de vendas em 2007. Juntas, exportaram no ano passado US$ 2,1 bilhões, uma expansão de 12,4% em relação a 2006. O valor médio que cada companhia vendeu a clientes em outros países também cresceu 12,5%, atingindo US$ 163,9 mil, segundo levantamento do Sebrae, a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).

Ainda assim, as exportações das MPEs têm participação modesta no total de vendas externas das empresas nacionais. No caso dos microempreendimentos, a fatia é de 0,1% e dos pequenos, de 1,2%. A MPE não tem a exportação como uma estratégia empresarial. Elas exportam quando o câmbio está favorável ou quando seu produto consegue um bom preço lá fora , diz Emanuel Falcão, analista do Sebrae que coordenou o estudo.

O resultado dessa ausência de estratégia é uma forte descontinuidade nas vendas externas. Segundo a pesquisa, quase a metade das MPEs que exportaram em 2007 não o fazem todos os anos. Geralmente, o valor exportado por empresas estreantes ou que voltam ao mercado é muito baixo , diz Falcão. Em 2007, o valor médio das MPEs que têm mercado cativo em outros países desde 1998 foi de US$ 70 milhões. Entre as que exportam de forma descontínua, a média foi de US$ 32 milhões, exemplifica o analista.

Segundo Falcão, uma das dificuldades de se chegar ao mercado internacional - ou se manter nele - é a falta de conhecimento das regras e políticas tarifárias dos países. Esse motivo levou a empresa Chama, que produz uniformes e equipamentos de proteção para uso em plataformas em alto-mar, a adiar por quatro anos a estréia no exterior. Tivemos de pesquisar documentação, contabilidade e legislação , conta o gerente comercial Rodrigo Parud, que contratou um profissional bilíngue para prospectar clientes. Neste ano, a empresa conseguiu concluir a primeira exportação, com destino a Angola. Queremos chegar a 35% do faturamento com exportações em três anos. É trabalhoso, mas não impossível.

Segundo o estudo, cresceram as exportações de produtos intensivos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). O foco em tecnologia explica a alta no valor total exportado pelas MPEs. Ela agrega valor ao produto , diz Falcão. As vendas de bens intensivos em P&D cresceram 29,2% entre as micro e 23% entre as pequenas empresas.

c) País asiático é o terceiro destino dos produtos brasileiros

A China foi o terceiro maior destino das exportações brasileiras de janeiro a junho deste ano, de acordo com dados fornecidos pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Os principais produtos vendidos para a China são grãos de soja, minérios de ferro e óleos brutos de petróleo. Em relação às importações, a China foi o segundo maior fornecedor de produtos ao Brasil no mesmo período, com 11,3% de participação no mercado. Os Estados Unidos ficam em primeiro lugar, com 14,4% de participação nas importações brasileiras.

d) Queda na importação e nas remessas reduz saída de dólares

Depois de dois meses de elevadas remessas de dólares para o exterior, o fluxo líquido de capital externo para o Brasil deu um pequeno sinal de recuperação no começo deste mês e ficou praticamente zerado na semana passada.

Ao todo, a entrada de recursos registrada no período superou a saída em US$ 7 milhões, segundo o Banco Central. O número inclui todas as transações fechadas no mercado doméstico de câmbio, como exportações, importações, investimentos e empréstimos estrangeiros, entre outros itens. No mês anterior, ao contrário, o resultado havia sido negativo em US$ 7,159 bilhões. No acumulado do ano, o saldo acumulado está positivo em US$ 5,397 bilhões.

Os dados do Banco Central mostram que o maior equilíbrio entre entrada e saída de dólares do país é reflexo de um movimento observado nas operações de comércio exterior. O envio de recursos ao exterior para pagamentos por importações caiu 48% na semana passada quando comparado com a semana anterior.

O total de recursos trazidos ao país por exportadores também se reduziu, mas a queda foi de 30%, menor, portanto, do que a sofrida pelas importações.

Como resultado, o saldo das operações de comércio exterior foi positivo em US$ 1,088 bilhão para o mercado de câmbio na semana passada, contra US$ 597 milhões na semana anterior.

Esses números podem indicar que, com a disparada do dólar, alguns importadores podem estar adiando suas operações no mercado de câmbio, aguardando um eventual recuo na cotação da moeda dos Estados Unidos para fazer seus pagamentos ou mesmo suspendendo parte de suas compras no exterior.

No segmento financeiro do mercado de câmbio -transações que excluem exportações e importações-, o saldo apurado pelo BC na semana passada foi negativo em US$ 1,081 bilhão. Apesar do ainda elevado volume de remessas, o resultado ficou bem abaixo do déficit de US$ 5,117 bilhões da semana anterior.

e) Petrobrás capta US$ 750 mi no Japão

A Petrobrás anunciou uma nova captação de recursos no mercado internacional, desta vez de US$ 750 milhões, junto a um pool de bancos japoneses. O contrato, firmado no último dia 10 de dezembro, tem prazo de dez anos e seguro da agência de fomento à exportação japonesa Nippon Export and Investment Insurance (Nexi). É o terceiro financiamento que a Petrobrás toma no mercado internacional desde o início de novembro, quando a crise financeira mundial se agravou. No total, em 2008, a companhia captou US$ 8,25 bilhões entre o mercado nacional e internacional.

Segundo o diretor-financeiro da companhia, Almir Barbassa, não há intenção de voltar ao mercado este ano. "O ano já está praticamente encerrado. Acho que não cabe mais nada", disse. Segundo ele, as condições oferecidas pelo pool japonês foram "extremamente atrativas".

Ele não quis citar detalhes do financiamento porque afirmou que no contrato "o outro lado exige confidencialidade". O diretor comentou, porém, que as condições foram "favoráveis" e próximas do que a companhia havia obtido com outros bancos internacionais em novembro.

"Esse tipo de mercado de agência de crédito à exportação tem contribuído muito com o financiamento de novos investimentos. É claro que as condições não são as mesmas de um ano atrás, mas estão bastante razoáveis", comentou. Participam do pool os bancos Sumitomo Mitsui Banking Corporation (SMBC), Mizuho Corporate Bank (Mizuho) e Banco de Tokyo-Mitsubishi UFJ, Ltd. (BTMU).

Barbassa lembrou que o financiamento feito junto ao pool dos bancos japoneses tem como objetivo atender a necessidade de investimentos na Refinaria Henrique Lage (Revap), em São José dos Campos (SP), para aumentar a capacidade de processamento de óleo pesado, melhorar a qualidade do diesel e da gasolina produzidos e diversificar o conjunto de produtos processados. "Já estamos pensando no ano que vem", disse, negando que a captação tenha sido para atender necessidade de caixa.

A desconfiança sobre uma possível dificuldade que a Petrobrás pudesse estar enfrentando em seu caixa foi levantada pelo senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE) no fim do mês passado. O senador revelou em plenário que a estatal havia recorrido a um financiamento de R$ 2 bilhões junto à Caixa Econômica Federal (CEF) não para cumprir investimentos, mas para cobrir despesas operacionais. A estatal explicou ao mercado que os recursos foram necessários, por causa, principalmente, do montante de royalties cobrados sobre sua produção de petróleo no terceiro trimestre, ainda com o valor superior a US$ 100 por barril.

No mercado financeiro, a nova captação da Petrobrás teve repercussão positiva. "Este é o terceiro financiamento que a empresa consegue desde novembro e isso mostra que existem formas de captar mesmo em cenário adverso", disse Luís Otávio Broad, da corretora Ágora. Para outro analista de instituição financeira de São Paulo, a Petrobrás está agora fazendo o que "qualquer empresa faz". Ambos consideram que ainda é prematuro para a empresa anunciar o seu programa de investimentos para os próximos cinco anos e acreditam que no próximo dia 19 a estatal deverá anunciar uma programação mais genérica, apenas com a previsão de investimentos para 2009.

"É preciso que o preço do barril do petróleo e a taxa de câmbio se estabilizem para que a companhia tenha parâmetros para se programar no longo prazo. Isso deve acontecer ao longo de 2009", comentou Broad.

f) Bolívia poderá fornecer mais gás ao Brasil

O ministro da Energia da Bolívia, Saúl Ávalos, disse que as duas usinas de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) projetadas pelo governo boliviano deverão permitir ao país aumentar seu abastecimento de gás ao Brasil e à Argentina até 2010, atenuando a escassez do combustível decorrente da falta de investimentos, que reduziu a produção.

As usinas de processamento serão construídas na província de Santa Cruz, e cada uma produzirá cerca de 200 toneladas de GLP ao dia. A Bolívia pretende ainda investir US$ 20 bilhões na expansão da produção de gás natural, disse a estatal YPF Bolivianos. A empresa quer perfurar 50 a 60 poços em 2009 a fim de atender às exportações.

Agronegócio

a) Soja transgênica avança na União Européia

Quase 80% da soja que será consumida na União Européia em 2008 será transgênica, aponta levantamento da consultoria brasileira Céleres com base em dados oficiais do bloco e de seus principais fornecedores do grão no exterior - Brasil, Argentina e Estados Unidos, nesta ordem. Em 2007, o percentual atingiu 77%.

A partir desse diagnóstico, Anderson Galvão, diretor da Céleres, sente-se seguro para afirmar que não existe restrição ao consumo de soja transgênica nos 27 países-membros da UE, apesar da sobrevivência de alguns focos de resistência aos organismos geneticamente modificados (OGMs) no velho continente.

Nesse contexto, a consultoria alerta que o Brasil, como principal exportador do grão para o bloco, precisa avaliar com critério suas posições nas discussões internacionais, como no caso do Protocolo de Biossegurança que trata, entre outros itens, do comércio internacional de produtos transgênicos. A sugestão, aqui, é que se o país aceitar travas rígidas a esse comércio, pode acabar prejudicado.

É claro que sempre haverá um nicho que desejará consumir soja não transgênica, mas a verdade é que, hoje, mais de três quartos da população daqueles países [da UE] estão consumindo soja transgênica e vêm fazendo isso de forma estável nos últimos dez anos, diz Galvão em comunicado enviado pela Céleres ao Valor.

Para chegar às conclusões apresentadas, Anderson Galvão cruzou dados de produção, exportação, importação e consumo.

Ele mostra, por exemplo, que as exportações brasileiras de farelo de soja - e de grão posteriormente convertido em farelo dentro do bloco - deverão saltar de 3,155 milhões de toneladas, em 2003, para 9,697 milhões em 2008. Nesse mesmo intervalo, a participação da soja transgênica no plantio total do grão no país passou de 18% para 62%.

São semelhantes os comportamentos envolvendo as vendas argentinas e americanas para a UE. Para a Céleres, isso significa que a indústria de ração animal da UE está gradualmente substituindo o uso da soja convencional pelo da soja transgênica, sem prejuízo para o mercado, visto que a produção total de rações no bloco encontra-se estabilizada.

Apesar do avanço, há espaço para todo mundo. Recentemente foi criada no Brasil a Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange), justamente para explorar sobretudo o apetite europeu por grãos convencionais.

b) Exportador de carne suína encara futuro com cautela

Incertezas derivadas da crise financeira global que assusta governos, empresas e consumidores deixaram a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs) cautelosa em relação ao futuro. Como em outras áreas para as quais este ano deixará alguma saudade, a esperança da entidade, hoje, é pelo menos repetir em 2009 os resultados de 2008.

E 2008, apesar dos pesares de novembro, foi um bom ano para as vendas de carne suína do país no exterior, como Pedro de Camargo Neto, presidente da Abipecs, deixou claro em encontro de fim de ano com jornalistas ontem em São Paulo. O ano vinha muito bem, com aumentos de produção e preços e boa demanda. Aí vieram a marolinha [referência a declarações do presidente Lula já em meio às turbulências financeiras que depois se aprofundaram] e a tragédia em Santa Catarina, mas mesmo assim os resultado foram positivos.

Os reflexos da marolinha na demanda e no crédito disponível aos importadores, sobretudo os russos, e a paralisação do porto de Itajaí em virtude das enchentes catarinenses, que deixaram mais de uma centena de mortos, provocaram uma redução de 48,62% do volume de carne suína embarcada no mês passado em relação a novembro de 2007.

De acordo com dados da Secex compilados pela Abipecs, as exportações somaram 27.469 toneladas no mês. O valor dos embarques diminuiu 36,9% na comparação, para US$ 78,242 milhões. Para a Rússia, o volume enviado caiu 56,57%, para 10.250 toneladas, e a receita caiu 48,3%, para US$ 32,48 milhões. De janeiro a novembro, o volume total de vendas chegou a 498.338 toneladas, 8,31% menos que nos primeiros onze meses de 2007, mas a receita subiu 30,66%, para US$ 1,404 bilhão. Para o acumulado de 2008, a entidade projeta faturamento de US$ 1,6 bilhão.

Segundo Camargo Neto, os principais pontos que colaboraram para o desempenho verificado foram o reconhecimento de Santa Catarina como livre de aftosa sem vacinação pelo Chile, a vinda de uma missão veterinária dos Estados Unidos para realizar análises de riscos visando à abertura do mercado americano, o interesse do Japão (maior importador de carne suína do mundo) em também abrir seu mercado e a expectativa de avanços para romper a resistência chinesa.

Mas, apesar do balanço positivo que fez, o presidente da Abipecs voltou a reclamar do governo federal. Para o dirigente, as reações oficiais à crise financeira têm sido lentas e os problemas decorrentes da escassez de crédito continuam. Segundo ele, faltam políticas anticíclicas e mesmo o Banco do Brasil tem de encontrar maneiras de driblar a burocracia para ganhar agilidade nesse processo.

Pedro de Camargo Neto concorda que as empresas do segmento vão segurar investimentos (ver matéria acima), mas lembrou que o câmbio estará mais favorável às exportações e que o preço de matérias-primas como o milho será mais baixo em 2009, como apontam as previsões atuais. Com isso, disse, o Brasil pode ser muito competitivo.

c) Exportações do campo deverão cair em 2009

A escassez de crédito resultante da crise financeira internacional deverá levar as exportações do agronegócio brasileiro à primeira queda em dez anos. Durante encontro com produtores ocorrido em São Paulo, o secretário de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Célio Porto, admitiu que o governo espera para 2009 uma queda de 5% a 10% nas vendas externas, quando comparadas a este ano. A última retração nas exportações foi registrada em 1999, quando o montante ficou na casa dos US$ 21 bilhões.

Apesar do recuo esperado, os números hoje são bem mais robustos. De acordo com dados divulgados ontem pelo ministério, o agronegócio brasileiro vendeu ao exterior US$ 71,67 bilhões nos doze meses encerrados em 30 de novembro último, valor 23,7% superior ao registrado um ano antes. Esse montante deve ficar bastante próximo ao que será apresentado no final deste ano. Com isso, consideradas as previsões do governo, as exportações em 2009 devem ficar entre US$ 64,5 bilhões e US$ 68 bilhões.

Na avaliação do secretário, o segmento de carnes será o mais afetado pela crise. Ele estima que as exportações desse segmento, considerado mais sensível à oferta de crédito, poderão cair até 20% em 2009. Para os grãos é esperada uma retração menor, na casa dos 5%.

Célio Porto acredita que as carnes suína e bovina irão apresentar declínio mais acentuado, já que as aves costumam ter aceitação maior no mercado global, além de ser uma opção mais barata em tempos de crise.

O secretário, entretanto, não revelou estimativas específicas para cada segmento. Ele disse apenas que suas projeções já contemplam a desvalorização do real ante o dólar, observada desde o agravamento da crise financeira, em outubro último. O dólar mais caro ajudou o setor a compensar a queda observada nos preços internacionais das commodities, já que aumenta a receita das exportações em moeda local.

Porto também chamou a atenção para os insumos agrícolas. Ele lembrou que os preços desses produtos, especialmente os fertilizantes, não caíram no mesmo ritmo observado pelas commodities, o que também ajuda a desenhar o cenário desfavorável para as exportações, especialmente no caso das carnes. Essa é uma questão bastante delicada, que nos preocupa muito, disse o secretário.

Questionado sobre as estimativas do governo, o presidente da União Brasileira da Avicultura (UBA), Ariel Antônio Mendes, concordou que o acesso ao crédito será o maior desafio para as exportações em 2009. Ele informou que na última segunda-feira foi solicitada ao governo federal uma linha adicional de R$ 3 bilhões para o setor de aves. A idéia é que os recursos sejam direcionados justamente ao financiamento das vendas externas.

O setor pede mais dinheiro para ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio) e para capital de giro. Sabemos que o governo está sensível ao tema e que já liberou dinheiro, mas ainda está muito burocratizado, criticou o dirigente. Há poucos meses, os bancos corriam atrás das empresas e agora são as empresas que estão correndo atrás dos bancos. Continuamos sendo o mesmo setor, não temos tradição de inadimplência, completou Mendes.

Apesar das queixas, ele acredita que o setor de aves experimentará queda em suas exportações apenas durante o primeiro trimestre do próximo ano. A seu ver, as vendas externas deverão cair algo próximo a 22% em relação aos três primeiros meses de 2008.

Porém, a partir de abril de 2009, Mendes enxerga uma retomada na oferta de crédito, que permitirá ao setor fechar o próximo ano com exportações 5% maiores do que as registradas neste exercício.

Já o segmento de bovinos tem visão mais pessimista. O pecuarista e presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho, disse ver com imensa preocupação o cenário para as exportações em 2009. Mesmo sem arriscar projeções, ele acredita que haverá queda, puxada pelo consumo menor e, principalmente, pela restrição de crédito. É muito difícil afirmar quanto vai cair, afirmou o pecuarista.

d) Indústria de frango reage à crise e reduz produção em novembro

O setor de frango começou a reagir à crise internacional que derrubou as exportações brasileiras do produto e pressiona as cotações internas. Pelo menos é o que indicam números preliminares levantados pela Associação Brasileira dos Produtores de Pintos de Corte (Apinco) que mostram uma forte queda - de 12% - na produção na comparação entre novembro e outubro deste ano.

Segundo o levantamento, foram produzidas no país 435,1 milhões de cabeças em novembro - em outubro foram 496,1 milhões de aves. Em nota, José Flávio Neves Mohallem, presidente da Apinco, diz que o setor produtivo está fazendo a lição de casa. José Carlos Godoy, secretário-executivo, acrescenta que a redução da produção já é reflexo da preocupação do setor com a oferta elevada e com a queda das exportações. As exportações estão lá embaixo e não há perspectiva de mudança no curto prazo, afirmou.

Ele observou que como a capacidade de produção do setor vem aumentando, em novembro a produção de pintos poderia ter chegado aos 500 milhões de cabeças e ultrapassado a quantidade de outubro. Mas diante do mercado negativo, as empresas decidiram reduzir o alojamento.

Pelas estimativas de Godoy, a exportação de frango em novembro deve ser de 230 mil toneladas para uma produção nacional de 990 mil a 1 milhão de toneladas do produto. Em outubro, a produção já havia somado 990 mil toneladas, mas as vendas externas foram maiores: 315 mil toneladas. Isso significa que a disponibilidade doméstica aumentou em novembro.

Frango que deveria ser exportado está sendo jogado no mercado interno, disse Godoy. Neste cenário de maior oferta doméstica, o preço do frango vivo saiu de R$ 1,80 o quilo há um mês para R$ 1,60 ontem no mercado paralelo de São Paulo, conforme acompanhamento da Jox Assessoria Agropecuária. Oto Xavier, da Jox, observou que no curto prazo a pressão sobre as cotações do frango deve continuar já que o efeito da redução da produção agora só deve ser sentido em cerca de dois meses.

Apesar da campanha de entidades do setor por uma redução da oferta de frango, o levantamento da Apinco indicou que a produção pode voltar a crescer em dezembro, para 456,1 milhões de cabeças. Segundo a associação, considerado o volume alcançado nos 30 dias de novembro (14,5 milhões de cabeças/dia), a produção de dezembro pode chegar aos 450 milhões de pintos. Como a capacidade de produção é crescente, esse número pode ser maior.

Para a Apinco, o ideal seria uma produção de 400 milhões de cabeças por mês. A recomendação da entidade para regular o mercado é o descarte de matrizes.

Organização Mundial do Comércio (OMC)

a) A OMC apresentou novos textos para agradar exportadores e importadores

A Organização Mundial do Comércio (OMC) apresentou novos textos de compromisso para um acordo agrícola e industrial na Rodada Doha, com diferentes opções para agradar todo mundo - exportadores e importadores. O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, lutava desesperadamente para tentar convocar uma reunião ministerial para esta semana em Genebra, para a barganha final, em meio a um ceticismo crescente de negociadores.

Ele contatou os principais negociadores - Susan Schwab (EUA), Celso Amorim, Kamal Nath da Índia, o ministro chinês de comércio e outros. Dependendo do que terá ouvido, Lamy decidirá se convoca a ministerial. A opinião crescente era de que a ministerial subiu no telhado, diante de sinais ruins enviados dos EUA, da Índia, da China e outros. Só que os países não querem assumir culpa por novo fiasco e jogam para Lamy. Os EUA estão comprometidos com um acordo ambicioso e vamos a Genebra se Lamy convocar a reunião, a decisão é dele, disse o porta-voz de Schwab, Sean Spicer.

Lamy reconheceu que os problemas que persistem são poucos, mas muito sensíveis politicamente, e pediu flexibilidade dos países. O mediador da negociação industrial, o suíço Luzius Wasescha, apontou sérias dificuldades em relação a acordos setoriais. Para o australiano Crawford Falconer, mediador da negociação agrícola, os progressos são ainda frágeis sobre salvaguarda especial, tema que provocou o colapso da tentativa de acordo em julho, no confronto entre EUA e India.

Fontes da indústria americana diziam que os textos divulgados sábado não dão espaço para Washington obter suficiente acesso adicional para as exportações. Susan Schwab, entregou um documentos aos chineses, condicionando fórmulas e flexibilidades na área industrial à participação de emergentes como a própria China, Brasil e India em acordos setoriais.

Os emergentes, porém, discordam dos termos das demandas americanas. Anda mais que, nessa situação, tampouco está definido o equilíbrio entre as concessões agrícolas e industriais, como pede o G-20, grupo liderado pelo Brasil.

Os novos textos para compromissos são mais precisos sobre a base para liberalização agrícola e industrial, mas nada está atado a nada. Na prática, pavimentam o terreno para que a reunião de ministros, se ocorrer, alcance um acordo político de base, sobre o qual continuará a ser negociado em 2009, sem decidir modalidades (definição de fórmulas e métodos para cortar tarifas e subsídios).

Os principais pontos de impasse persistem, sobre acordo setorial, flexibilidade adicional para Argentina, Venezuela e África do Sul protegerem indústrias, salvaguarda especial temporária para países em desenvolvimento frearem importações agrícolas. A reação do Brasil foi de prudência. O mais importante é saber qual o grau de flexibilidade dos países para chegar a um acordo, disse o embaixador Roberto Azevedo.

Para o embaixador da Argentina, Alberto Dumont, todo mundo pode aceitar esses documentos, porque eles não definem absolutamente nada. No caso de flexibilidade adicional para o país, Dumont considerou que o texto industrial melhorou em relação ao anterior. É mais realista, porque coloca em pé de igualdade Argentina, África do Sul e Venezuela sobre necessidade de proteção. A África do Sul quer flexibilidade adicional de 1% a 6% nas linhas tarifárias.

Num cenário de recessão global e falências, a União Européia também pode ter problemas. Quer um compromisso, porque vai pagar pouco na área agrícola. Mas a Alemanha tem mais ambição na área industrial. Ainda mais com a brusca desaceleração de suas indústrias. Os canadenses não estão contentes. O Japão resiste na área agrícola como a Argentina na área industrial.

b) Indústria descarta novas concessões

Se os países ricos pressionarem por acordos setoriais, estarão reabrindo toda a negociação da Rodada Doha, na Organização Mundial de Comércio, alerta a indústria brasileira. Insistir nesse tema é quebrar o equilíbrio entre agricultura e indústria e reiniciar toda a barganha, disse Mário Marconini, diretor de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Os países ricos estão pressionando por negociações que eliminem ou reduzam bastante as tarifas de importação em setores sensíveis como químico, automotivo e eletroeletrônico. Para o representante da indústria paulista, o Brasil não insistiu em vantagens significativas em agricultura e, portanto, não pode aceitar mais concessões nos acordos setoriais.

Marconini disse que a Fiesp vai conversar com o Itamaraty e reafirmar sua discordância sobre o assunto. Ele ressaltou que a indústria já disse um milhão de vezes que não tem interesse. Ao invés de focar nos pontos que travam as negociações, como a intransigência da Índia em salvaguardas agrícolas, estão insistindo em algo que já estava resolvido, disse Marconini.

Segundo o diretor da Fiesp, a indústria pode sentar na mesa de negociação dos acordos setoriais, mas sem se comprometer com resultados. No texto divulgado no sábado, o mediador da negociação de produtos não-agrícolas, Luzius Wasescha, disse que não está claro como definir um maior comprometimento dos países com os setoriais sem alterar o caráter não-mandatório dessas negociações.

Marconini também ressaltou que o novo texto industrial abriu a possibilidade de condicionalidades específicas para Argentina e Venezuela ao trazer os nomes desses países entre colchetes. Na linguagem diplomática, disse o executivo, significa que os demais membros começam a aceitar que esses países necessitam de um tratamento diferenciado.

Representantes do setor privado brasileiro avaliam que a divulgação dos textos no último sábado é uma demonstração de que os países estão mais comprometidos em seguir com a Rodada Doha, mas ainda não é uma garantia de que as negociações possam realmente ser concluídas.

Para o diretor-executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), think-tank brasileiro financiado por entidades agrícolas, André Nassar, os novos textos podem ser considerados um avanço, porque consolidam pontos que foram discutidos nos últimos seis meses. Existe uma vontade política para fechar o acordo, porque os países venderiam isso como uma medida para mitigar a crise global, disse.

O novo texto agrícola prevê a criação de cotas para novos produtos, o que é considerado ruim para o Brasil, mas pode até ser aceitável, dependendo do que ocorrer com o etanol. Para a agricultura brasileira, a principal discussão é mesmo a salvaguarda especial para países em desenvolvimento, tema que não foi concluído no nível técnico e será decidido pelos ministros.

c) EUA pressionam Brasil no setor químico

Os Estados Unidos aparecem com um novo argumento para exigir do Brasil que se comprometa logo em participar de um acordo especifico no setor químico, para eliminação ou redução rápida de tarifas de importação: o pais faz parte do G-7, o restrito grupo dos sete mais influentes na Rodada Doha.

Washington alega que o G-7 - EUA, União Européia, Brasil, China, Índia, Japão, Austrália - deve mostrar liderança comprometendo-se em acordos setoriais, envolvendo certos produtos que, não por coincidência, sao de especial interesse para o exportador americano.

A cobrança da fatura americana na área industrial começa com o setor químico, mas quer também que o Brasil aceite logo voluntariamente participar em mais um dos outros 13 acordos setoriais propostos, que vão de automotivo a equipamentos florestais.

A nova pressão americana irritou o Brasil. O país se opõe à diferenciação entre os membros do G-7 e os que estão fora. Insistiu, durante reuniões em Genebra, que os EUA estavam cobrando do Brasil o que não estavam cobrando nem de outros países desenvolvidos. Também emergentes como México, Coréia do Sul (ambos membros da OCDE, clube de países ricos) e Indonésia, por exemplo, nâo estão submetidos à mesma pressão.

Países desenvolvidos normalmente insistem que o Brasil deve pagar o preço adicional, ainda mais quando quer mudar a geografia do comércio mundial, como martela o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A mensagem é que na OMC, menos ainda do que em outras organizações, não há almoço grátis.

A pressão americana destacando a indústria química se explica pelas cifras de Washington : os EUA são o principal produtor mundial, com 11% do total. A indústria americana exportou US$ 153,8 bilhões em 2007 em produtos químicos, muito mais do que exportações de produtos agrícolas de US$ 80 bilhões, e da área espacial, de US$ 74 bilhões.

A China e a Índia também rejeitaram insistentes demandas americanas para identificarem setores nos quais estariam preparados a participar. A lista desses setores deveria ser apresentada na ministerial desta semana na Organização Mundial do Comércio (OMC).

A China foi especialmente dura contra os EUA, esta semana em Pequim, ainda mais num cenário global que mostra que Pequim não pode ser o motor da economia global quando os tradicionais gigantes do comércio sofrem com a recessão.

Mas as atenções dos mercados estão focadas mais no movimento da moeda chinesa do que na atitude de Pequim na OMC. A China depreciou em 0,73% sua moeda na semana passada, a maior desvalorização num único dia. Uma forte queda do yuan pode resultar numa onda de desvalorização competitiva por parte de outros países preocupados em proteger suas indústrias e frear importações de produtos baratos chineses.

d) Amorim rejeita conversa com EUA sobre pontos de discordância na Rodada Doha

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, rejeitou fazer uma videoconferência com a representante comercial dos Estados Unidos, Susan Schwab, numa ilustração do ambiente nas negociações da Rodada Doha. Schwab queria discutir individualmente com Amorim e os ministros de Comércio da China e da Índia sobre os principais pontos de confronto na negociação de Doha, a começar pela exigência americana para os três participarem de acordos setoriais na área industrial, por eliminação de tarifas mais rapidamente.

O ministro declinou do convite, o que é ainda mais raro para quem sempre se mostrou um dos mais engajados em conversar para tentar levar adiante a negociação global. O argumento no Itamaraty é de que, primeiro, Amorim e Schwab já tinham se falado antes e a americana sabe precisamente que o Brasil não aceitará negociação obrigatória setorial e menos ainda na área química, por exemplo.

De fato, as conversas de Schwab parecem não ter servido para muita coisa, pelas informações que filtravam da cena comercial. O ministro indiano de Comércio, Kamal Nath, chegou a hesitar em aceitar a conversa. E não teria servido para reduzir as diferenças sobre acordos setoriais e salvaguarda especial na área agrícola.

Nesse cenário, a idéia de uma reunião ministerial organizada pelo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, pode ser engavetada de vez. Para certos negociadores, se os ministros desembarcarem em Genebra, nem vão ter como se falar, no contexto atual em que todo mundo guarda suas cartas na manga.

O ambiente era de compasso de espera em Genebra. Está tudo plácido, dizia um negociador. A Argentina apresentou uma nova proposta para obter flexibilidade adicional para sua indústria, que foi imediatamente rejeitada pelos Estados Unidos e União Européia.

Por sua vez, a Venezuela de Hugo Chávez, que distribui milhões de dólares pela América do Sul, está pedindo o status de economia pequena e vulnerável na negociação de Doha, para cortar menos, quase nada, suas tarifas de importação, algo que foi rejeitado por outros membros.

Ainda na sua luta desesperada para dar um fôlego na negociação global, Lamy conversou com Amorim e depois com representantes da África.

e) Amorim culpa Obama pelo fracasso da Rodada Doha

O chanceler Celso Amorim fez o que deve ter sido um dos mais duros ataques públicos de uma autoridade estrangeira contra o presidente americano Barack Obama desde que o democrata foi eleito e corre o risco de ser até considerado um "incidente diplomático" antes mesmo de Obama tomar posse. Amorim disse que Obama não estaria assumindo suas responsabilidades como "líder" e que a falta de um sinal de flexibilidade por parte do presidente eleito na área comercial é o que estaria levando um acordo na Rodada Doha ao fracasso.

Para Amorim, se não houver um entendimento agora, dificilmente o processo conseguiria ser relançado no futuro. Em Genebra, já é quase unanimidade de que a Rodada Doha chegou a seu ponto final diante do verdadeiro caos entre os governos.

Amorim preferiu culpar Obama, a intransigência do governo de George W. Bush e a pouca coordenação na transição. "Ninguém pode se esconder de suas responsabilidades. Líderes precisam mostrar que são líderes e não podem se esconder", atacou o chanceler, após reuniões em Genebra. No dia de sua eleição, Amorim comemorou e afirmou que esperava construir uma relação de "parceria" entre Brasil e EUA.

Os americanos estão sendo intransigentes nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e todos apostam que será anunciado o colapso do processo, depois de sete anos de reuniões e conferências. Washington quer a abertura dos mercados dos países emergentes para aceitar um acordo comercial. Mas o Brasil, Índia e China se recusam a zerar suas tarifas de importação para setores industriais considerados como estratégicos nos EUA. O ministro brasileiro fez questão de reiterar sua oposição às demandas americanas ontem em reuniões na OMC.

Para Amorim, o acordo seria uma das formas de dar uma resposta à recessão. Mas voltou a atacar a Casa Branca:. "É irônico que a demanda excessiva (de abertura) venha exatamente do local onde a atual crise financeira se originou."

"Esse deveria ser o país que precisaria mostrar maior flexibilidade para ajudar a reverter a crise que eles geraram. Mas isso não vai acontecer se não houver um sinal positivo do próximo governo (americano)", atacou o chanceler.

Para ele, o que falta nessa etapa final do processo é um sinal positivo por parte de Obama de que estaria disposto a flexibilizar a posição de Washington no processo. "Ninguém pode se esconder de suas responsabilidades. Líderes precisam mostrar que são líderes e não podem se esconder", atacou o chanceler. "Há uma administração que está negociando um acordo. Mas há outra que está na sombra e que estará assumindo o poder. Se não houver um sinal de flexibilidade dessa outra administração, será muito difícil (ter um acordo)", afirmou.

O chanceler deu como exemplo a transição entre o governo de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva para tentar ensinar aos americanos como fazer. "É muito bonito dizer que temos um governo por vez. Mas o Brasil também é uma democracia e também temos transição. Tivemos de tomar decisões difíceis no final do governo de Fernando Henrique Cardoso em relação à Venezuela. O governo consultou o presidente eleito Lula e a decisão foi tomada. Ninguém pode se esconder de suas responsabilidades", disse.

A negociação de Doha já havia fracasso em julho por causa de um desentendimento entre Estados Unidos, China e Índia. Praticamente todos os governos estavam dando por encerrado o processo e aguardariam a próxima administração americana para retomar a negociação. Mas a crise financeira modificou o rumo do processo.

Com a pressão do próprio Lula, o tema voltou para a agenda . Na reunião do G-20, em Washington em 15 de novembro, os líderes se comprometeram a concluir a Rodada Doha até o final do ano e não elevar barreiras comerciais por 12 meses. Mas a estratégia do Brasil era ainda a de conseguir que um acordo fosse fechado antes da posse de Obama, no dia 20 de janeiro. Na realidade, a tática era a de criar uma situação em que 150 países aprovariam um acordo e depois Obama não teria como rejeitá-lo.

O problema, porém, é que Obama prometeu durante a campanha presidencial que iria rever todos os acordos comerciais fechados por George W. Bush. Aceitar o da OMC, portanto, seria descumprir de cara uma de suas promessas.

Plano Internacional

a) Alca de Lula reúne países da AL e Caribe e exclui os EUA

A pouco mais de um mês da posse de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta criar, no continente, uma espécie de Alca sem a presença dos americanos e dos canadenses e com a participação de Cuba. O projeto se chama Cúpula da América Latina e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (Calc) e será lançado no dia 16, na praia de Costa do Sauípe, na Bahia.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, 29 chefes de Estado, dos 32 convidados, já confirmaram presença, inclusive, o presidente do Equador, Rafael Correa, que se envolveu num incidente diplomático com o Brasil depois de recorrer a uma corte internacional para suspender o pagamento de dívida de seu país com o BNDES.

Liderada pelos EUA, a Cúpula das Américas, que lançou as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) em 1994, reunia 34 países do continente, com exceção de Cuba. Agora, com a Calc, a diplomacia brasileira quer que, sob a liderança de Lula, as nações americanas tenham uma agenda própria, isto é, que não seja imposta pelos EUA.

Trata-se de uma iniciativa inédita. É a primeira vez que os 33 países discutirão temas comuns a partir de uma agenda própria, definiu o diretor do Departamento de Aladi e Integração Regional do Itamaraty, Paulo França. O diplomata disse que não se trata de fazer um contraponto à liderança dos EUA. (A Calc) não é contra o projeto de um país determinado. Tem uma agenda positiva.

A idéia da Calc foi lançada pelo presidente Lula em fevereiro deste ano. Desde então, foram realizadas reuniões de chanceleres para definir o formato e a agenda do encontro e de altos funcionários dos países para preparar o projeto da declaração conjunta que dará o tom do encontro ao fim da cúpula. Até agora, não se chegou a um consenso quanto ao teor da declaração. Amanhã e no sábado, esses funcionários voltarão a se reunir para tentar fechar o texto.

Segundo França, a agenda da Calc tratará da integração dos 33 países frente às crises financeira, alimentar, energética e da mudança climática. Os temas comerciais não serão prioritários. Vamos chegar, com a Calc, ao livre-comércio? Não é esse o espírito, disse. Já há vários acordos comerciais na região. Há densidade de relações. A idéia é aprofundá-las.

Além do livre-comércio, estão fora da agenda da Calc temas como a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o Brasil almeja ter um assento. A aspiração brasileira é rejeitada por pelo menos dois países latino-americanos - Argentina e México. (A Calc) não pode ter questões muito específicas, justificou França, acrescentando que, neste momento, a prioridade é intensificar o diálogo dos mecanismos regionais já existentes, como o Mercosul, a Unasul, o Caricom, a Can, a Sica, a Aladi e a Alba.

Numa demonstração da disposição em marcar independência em relação aos EUA, ao fim da Calc, no dia 17, haverá uma reunião extraordinária do Grupo do Rio para anunciar a entrada de Cuba - o presidente Raul Castro já teria confirmado presença na cúpula. Esse grupo, que reúne 19 países da América Latina e do Caribe, foi criado em 1986 com o objetivo de buscar soluções diplomáticas para conflitos nas Américas.

A reunião da Calc ocorrerá em meio a outros encontros de cúpula, na Costa do Sauípe. Além da reunião do Grupo do Rio, agendada para o dia 16, nos dias 15 e 16 haverá a 36ªª Cúpula do Mercosul. No dia 16, ocorrerá também a reunião da União das Nações Sul-Americanas (Unasul).

Na cúpula do Mercosul, os quatro integrantes do bloco (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), acompanhados da Venezuela, cujo ingresso definitivo depende ainda da aprovação de paraguaios e brasileiros, tentarão fechar a negociação para o fim da cobrança dupla (ou múltipla) da Tarifa Externa Comum (TEC). Atualmente, um produto importado pelo Paraguai da China, por exemplo, paga a TEC na entrada e na reexportação para outros países do bloco. Na prática, essa cobrança inviabiliza a exportação.

Em 2004, os países do Mercosul decidiram acabar com o problema, mas a implementação da medida esbarrou em vários obstáculos. A eliminação da dupla cobrança exige um sistema de certificação de origem mais moderno do que aquele que temos hoje. Exige também uma interconexão entre as aduanas, com consulta em tempo real sobre a entrada de produtos nos mercados do bloco, explicou Bruno Bath, chefe do Departamento de Mercosul do Itamaraty.

Na reunião, os membros do bloco tentarão regulamentar a decisão sobre a dupla cobrança e analisar as perdas aduaneiras que os países terão na implementação da medida. Além disso, vão discutir a criação de um código aduaneiro para harmonizar os procedimentos de importação. Será a terceira tentativa de se aprovar isso, informou Bath, acrescentando que há obstáculos legais do ponto de vista de cada país. A expectativa é aprovar a criação do código e implantá-lo em quatro etapas, de acordo com os níveis tarifários.

A cúpula do Mercosul servirá também para sacramentar a criação do Fundo de Garantia para Pequenas e Médias Empresas. Esse fundo terá US$ 100 milhões e ajudará a financiar empresas fornecedoras de cadeias que promovam a integração produtiva no bloco. Durante a cúpula, será criado ainda um foro para debater a harmonização tributária no Mercosul. Dos quatro países do bloco, o Brasil é o que tem o regime tributário mais distinto dos demais.

Um tema que poderá surgir durante o encontro é o aumento da TEC para determinados produtos, como fios têxteis, móveis e artefatos de couro (reivindicação da Argentina), além de produtos lácteos (Brasil). O governo brasileiro, segundo o diplomata, não levantará o tema na reunião. Paralelamente à cúpula, os chanceleres debaterão o impacto social da crise internacional, deverão aprovar a criação do Instituto Social do Mercosul - um Ipea social - e lançar um plano de ação social, voltado para replicar na região experiências bem-sucedidas de combate a problemas sociais.

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