23/10/07
Política Externa e Internacionalização da Empresa Brasileira
Rubens Antonio Barbosa


Pela primeira em nossa história econômica, os registros nacionais e internacionais assinalaram que o Brasil, tradicional importador da capitais, passou a ser um investidor líquido no exterior.
De acordo com dados da UNCTAD, o Brasil recebeu, em 2006, US$ 18,7 bi e investiu US$ 28,2 bilhões. O fluxo de investimentos diretos brasileiros no exterior foi 1.020% acima dos US$2,5 bilhões em 2005. O Brasil passou, assim, a ocupar a liderança dos países latino-americanos que mais investiram no exterior e o segundo lugar, depois da China, entre os países emergentes.

Os dados de 2006 estão distorcidos, afetados pela compra da mineradora canadense INCO pela CVRD em uma operação que somou US17 bilhões e configurou a maior aquisição realizada por um país emergente em um país desenvolvido.

Há razões macro e microeconômicas que explicam essa rápida mudança de atitude das companhias brasileiras. A valorização do Real, as baixas taxas de crescimento da economia nos últimos anos, os altos custos internos e o reconhecimento de que, no mundo globalizado, o mercado interno não é suficiente para a aumentar a competitividade das empresas, são alguns dos fatores que explicam a expansão dos investimentos de empresas brasileiras no exterior.

As companhias brasileiras de grande e médio porte começaram, nos últimos dez anos, a abrir espaço para sua atuação em todos os continentes. Petrobras, Marco Polo,Votorantim, Embraer, CVRD, CSN, Gerdau, Embraco, Natura, WEG, Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierres, Coteminas, Cutrale, Random, Tigre, Sadia, Banco Itau são algumas das empresas que se tornaram as primeiras multinacionais brasileiras nos quatro cantos do mundo, em especial nos EUA e na America do Sul.

Essa nova tendência - que não deixa de ser um reflexo da integração cada vez maior do Brasil na economia globalizada, a partir da estabilização da economia doméstica - coloca desafios para políticas públicas do Governo Federal e para a atuação diplomática do Itamaraty.

O Brasil, nos últimos anos, viu crescer sua projeção externa, quer política quanto economicamente. A diplomacia presidencial tem sido um instrumento ativo para a promoção de uma agenda política (hoje, na busca de apoio para a obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU) e econômico-comercial (abertura de mercados para bens e serviços brasileiros).

O Brasil passou a utilizar ações de governo para projetar seus interesses econômico-comerciais no exterior.

A última visita presidencial a África (Burkina Fasso, Congo, África do Sul e Angola), foi significativa porque, pela primeira vez, foram anunciadas medidas inovadoras, como a criação de um fundo de investimento soberano, com o objetivo de aproveitar o grande volume de reservas, a exemplo da China e da Rússia, e a transformação de um débito de cerca de US400 mi em linhas de financiamento de projetos no Congo, ambas para apoiar empresas nacionais.

A afirmação presidencial de que não pode colocar condicionantes políticos, como arranhões a democracia, desrespeito aos direitos humanos e corrupção, para negociar com parceiros de interesse do país também foi inovadora. O raciocínio é o mesmo de países desenvolvidos que não se pejam de transacionar com países autoritários (inclusive com o Brasil, no período militar, no que toca a democracia e direitos humanos, e, em todo o tempo, no que se refere à corrupção...).

Pragmatismo e valores éticos/princípios em política externa não é coisa fácil de conciliar, como vimos recentemente no caso da visita a Burkina Fasso e no voto contrário a sanções a Mianmar na ONU. O equilíbrio passa por não transigir na defesa pública da democracia e do respeito aos direitos humanos, condenando com firmeza os casos concretos de sua violação, em qualquer parte do mundo, mas, sobretudo, na América do Sul.

Sendo um novo e recente membro do restrito grupo de países com crescente presença no exterior, o Brasil – sem estar adequadamente preparado - terá de enfrentar e responder rapidamente desafios políticos e econômicos para ajudar as empresas nacionais a enfrentar a dura concorrência internacional.

Os gestos simbólicos de oferecimento de apoio feitos na recente visita presidencial devem ser concretizados por meio de medidas efetivas no âmbito do governo para não cair no vazio, como tem ocorrido até aqui, frustrando os objetivos políticos dessas viagens. Os atos do governo devem ser mais rápidos e eficientes e devem incluir ações pró-ativas do MRE, do MDIC e do BNDES, por meio de políticas públicas que respaldem o esforço do setor privado.

Uma política de incentivos com apoio do setor financeiro (apoio creditício e reforço do mercado de ações para o financiamento da expansão internacional, como faz a Espanha) e o engajamento do setor público para a negociação de acordos de garantia de investimentos e para evitar a bitributação são decisões urgentes. Uma vigorosa política industrial com o apoio do BNDES e medidas como a dedução fiscal dos investimentos realizados no exterior seriam complementos importantes.

A expansão externa dessas empresas demanda igualmente uma atitude mais firme por parte do Governo brasileiro, para exigir o cumprimento dos acordos internacionais e dos contratos negociados, na defesa de interesses nacionais concretos que passam a ser ameaçados por medidas discriminatórias ou restritivas, como foi o caso da Petrobrás na Bolívia e, até certo ponto, na Venezuela, no Equador e no Paraguai.

Como ocorre em outros países, impõe-se uma forte parceria entre Governo e setor privado para realmente ampliar o processo de internacionalização das empresas brasileiras. Governo, área econômica e Itamaraty, devem melhor preparar-se para responder ao desafio.
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