22/05/2007
Os Shiitas no mundo
Rubens Antonio Barbosa

Os EUA reafirmaram, na semana passada, através do Vice Presidente Cheney, que não permitirão que o Irã fabrique armas nucleares, obstrua o suprimento regular de petroleo da região ou venha a controlar o Oriente Médio. Alegam preocupação com a política de não proliferação, a ameaça a sobrevivência do Estado judáico e o crescente envolvimento iraniano no Iraque.

O aumento da tensão poderá levar a uma grave crise militar entre os EUA e o país que está se apresentando como a mais poderosa potência regional no grande Oriente Médio.

Como poderia ser a reação da República Islâmica do Irã a um eventual ataque ?

O Presidente Ahmadinejad declarou que, se atacado, o Irã irá retaliar. Entre as represálias fora de seu território, Teerã poderia fechar a passagem do petróleo pelo estreito de Ormuz e orquestrar rapidamente um dramático aumento do número e da intensidade de atos de sabotagem nos poços de petróleo no Iraque e na Arábia Saudita e de ações contra os cerca de 160 mil soldados norte-americanos estacionados ou em operação militar no Iraque, na Turquia, na Arábia Saudita, nos países do Golfo e no Afeganistão.

Em uma hipótese de guerra contra os EUA – certamente com o apoio de Israel – Teerã, capital da primeira potência shiita do mundo com cerca de 62 milhões de adeptos (de uma população total de 70 milhões), poderia contar com o apoio dos cerca de 200 milhões de seguidores de Ali, profeta e guia espiritual dos shiitas ? Representando entre 15 e 20% da população muçulmana, os shiitas estão espalhados no mundo, inclusive na Europa e nos EUA, com exceção do Maghreb, região do norte da África, emigrados do Iraque, do Irã, do Afeganistão, do Paquistão, da Líbia e de outros países.

É importante levar em conta que o mundo shiita não é homogêneo. Com exceção da rejeição histórica dos sunitas em todos esses paises, não existe muito entre eles: nem o dogma, a prática religiosa ou o grau de identificação com o cléricos que governam o Irã.

As comunidades shiitas praticam um islamismo considerado herético pelos fundamentalistas sunitas, a começar pelos seguidores da AlQaida, que, em decorrência de suas ações terroristas e pela reação a elas, tem paradoxalmente fortalecido a posição iraniana.

A situação geopolítica do Irã, na atualidade, é muito mais confortavel.As recentes intervenções armadas dos EUA no Grande Oriente Médio, ironicamente, livraram o Irã de dois dos seus principais inimigos: o Iraque de Saddham em 2003 e o Afeganistão dos Talibãs em 2001. A ação militar norte americana liberou, nos dois países, as comunidades shiitas, até então reprimidas pela minoria sunita no Iraque e pelo regime autoritário nacionalista laico do Afeganistão. A Rússia também deixou de ser uma ameaça militar.

Hoje, pela primeira vez, em alguns séculos, o Iraque está sendo dirigido por partidos shiitas, com extensas conexões no Irã. Os EUA acusam regularmente o Irã de prestar ajuda tática e militar às milícias que obedecem as diretivas desses partidos.

Não há uma geo-estratégia shiita, afirmam todos os especialistas. Mesmo a revolução iraniana de 1979 nunca se apresentou como um movimento shiita. A mensagem de Khomeini era acima de tudo pan-islâmica. Com o atual presidente iraniano essa atitude foi preservada.

No tocante à política externa, o Irã tem agido com pragmatismo, enquanto Estado e não como um centro religioso. No Azerbaijão, os shiitas azeris dominam o cenário político há vários séculos, mas nas disputas com a Armênia, Teerã apoia os cristãos. No Afeganistão, a minoria shiita hazara, submetida há décadas ao jugo sunita, nunca recebeu armas suficientes para transformar-se numa força política real. Na Palestina, sem população shiita, Teerã tornou-se o principal apoio dos grupos armados do Hamas e da Djihad islâmica, muito próximos do integrismo sunita.

Assistimos hoje a uma gradual transformação do papel do Irã na região, que poderá levar o país a tornar-se a potência dominante no Golfo. Está em curso na região uma reavaliação do peso do Irã e registra-se um crescente entusiasmo pelo único regime islâmico que ousa desafiar os EUA.

Outro aspecto, não menos importante a ser levado em conta quando se analisa o poder, o peso e a influência dos shiitas nessa região é o fato de que eles são majoritários nas zonas produtoras de petróleo. São shiitas 75% dos habitantes do litoral dos países do Golfo, onde se encontram 70% das reservas mundiais de petróleo ou por onde passam 40% do abastecimento ocidental de petróleo.

Se atacado pelos EUA e Israel, o Irã poderá tentar a mobilização das comunidades religiosas e leigas de outros países do Grande Oriente Médio para lutarem a seu lado. Pelas diferenças e contradições entre elas, dificilmente, Teerã poderá ativar essa ampla rede religiosa. Como a história recente mostra claramente, a mobilização das massas shiitas no países do Golfe parece ser um objetivo distante. O Governo de Teerã tem atuado até aqui em função de seus interesses e com grande senso de realpolitik. Os países com maioria ou minoria shiitas aprovam um Irã forte, mas dificilmente aceitarão ser liderados por Teerã.

Por outro lado, dado o componente de fanatismo religioso, não se pode descartar um aumento significativo de atos terroristas coordenados por organizações shiitas nos países que atacarem o Irã e nos seus associados, por meio dos seguidores organizados em células de terroristas suicidas, cujo número, segundo fontes iranianas, é estimado entre 10 e 15.000 militantes.

De qualquer forma, apesar das dificuldades de mobilização, o grande número de shiitas espalhados pelos quatro cantos do mundo é um fator que não pode deixar de ser levado em consideração em qualquer exercício de analise geopolítica que envolva o Irã.

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