12/07/05
Agora são eles que não querem


Os EUA, nos últimos dois anos, decidiram modificar sua estratégia de criar um bloco comercial de 34 paises nas Américas (ALCA) e concentraram seus esforços em uma série de acordo bilaterais com países centro-americanos e andinos, menores e mais flexíveis às demandas norte-americanas.


Coerentes com essa nova política, o Governo norte-americano pediu o adiamento “sine die” das negociações entre os co-presidentes da ALCA, Brasil e os EUA e o Ministro Celso Amorim declarou que as negociações para a formação da ALCA não deverão ser concluidas antes de 2009, horizonte de tempo que surgiu na última conversa mantida com o novo USTR, Robert Portman.

Não deixa de surpreender a atitude de Washington em relação ao hemisfério, já que a retórica do livre comércio, como um fator importante para o fortalecimento da democracia e do crescimento econômico na região, sempre foi parte integrante da política externa norte-americana e a ALCA é o principal instrumento dessa política.

A primeira e talvez mais importante explicação para a mudança de atitude dos EUA é a de que a politica comercial norte-americana passa por um momento de grande dificuldade em virtude da combinação de problemas internos e de falta de clareza negociadora externa. Do ponto de vista doméstico, no segundo governo Bush, aumentou o poder de grupos de pressão conservadores e a influência dos setores agrícola e industrial, mais necessitados de proteção e de medidas defensivas, e cujos porta-vozes são os próprios Secretários de Agricultura e do Comércio. O setor privado tem reclamado da pletora de acordos de livre comércio (12 completados e 12 em negociação), da duvidosa prioridade na escolha dos parceiros, em geral pouco significantes em termos de geração de comércio e da crescente complexidade para compatiblizar as regras de origem e do controle aduaneiro pelas diferenças existentes entre eles.

No Congresso, os representantes dos dois partidos, Republicano e Democrata, com poucas exceções, manifestam-se abertamente contra acordos de livre comércio negociados pelo Governo e defendem sem nenhuma cerimonia restrições para favorecer setores ineficientes e sem competitividade externa. Como resultado, o acordo comercial negociado com os países centro-americanos(CAFTA) encontra forte resistência para ser ratificado. Aprovado pelo Senado por reduzida margem, o CAFTA, apesar de enfraquecido pelas concessões aos grupos protecionistas do açucar e do têxtil, ainda não tem os votos necessários para ser aprovado na Câmara, em votação prevista até o fim de julho. Por outro lado, a agenda legislativa na área comercial, que inclui, entre outros, a prorrogação da autorização para o legislativo negociar acordos comerciais (Trade Promotion Authority-TPA) e a ratificação do acordo que criou a OMC, vai exigir um grande esforço do Executivo para ser aprovada.

Do ângulo externo, as negociações multilaterais da Rodada Doha progridem lentamente e estão constantemente ameaçadas de descarrilhamento por questões técnicas de complexidade crescente. A mudança da atitude dos EUA em relação aos acordos de livre comércio ensejou sua rápida proliferação (já somam mais de 300), inclusive na Asia, onde a China e o Japão também estão aderindo a esse tipo de acordo. No caso da ALCA, a oposição do Brasil à negociação de um acordo hemisférico, nos moldes do pretendido pelos EUA e as atuais dificuldades politicas nos países andinos, criaram uma dificuldade inesperada para Washington. Resta saber se essa nova política dos EUA prevalecerá após a aprovação pelo Congresso do CAFTA e da TPA. A derrota (possível, mas improvável) do CAFTA na Câmara sepultará por muito tempo a negociação da ALCA. De qualquer forma, não parece que os EUA abandonarão a estratégia de acordos de livre comércio bilateral, o primeiro dos quais com o Chile e agora com os países da América Central. Caso a previsão de adiamento feita pelo Ministro Amorim se concretize, para o Brasil, deverá ser ainda maior a prioridade atribuida às negociações multilaterais de Doha, sobretudo para a obtenção de ganhos em acesso a mercado para produtos agrícolas, redução dos subsídios, internos e para a exportação, e em algumas regras, como Anti-dumping.

Em relação ao hemisfério, como resposta à nova atitude do Governo de Washington, o Brasil insiste em negociar um acordo de abertura de mercados no formato 4+1, deixando as regras para uma segunda etapa, como está sendo feito nos entendimentos com a União Européia. Embora correta, essa proposta parece irrealista, pela previsível recusa dos EUA. Por outro lado, as recentes declarações de que o Itamaraty voltou a dar prioridade a ALCA se chocam com a previsão de adiamento para 2009 e com a baixa prioridade que passou a ter para Washington. Uma vez concretizado o acordo de livre comércio dos EUA com os países andinos, todos os países da América do Sul e da América Central, menos a Venezuela e o Mercosul, terão negociado a ampliação de seu acesso ao mercado norte-americano. Esses acordos, como ocorreu nos casos do México e do Chile, deverão erodir as margens de preferência, isto é, as tarifas negociadas pelo Mercosul com os países da região no âmbito da ALADI.

O Governo brasileiro, junto com os demais parcerios do Mercosul, deve propor, o mais rapidamente possível, a abertura de negociações com os países sul-americanos que negociaram acordos de livre comércio com os EUA, para, pelo menos, buscar a equiparação das tarifas de importação, a fim de recuperar a competitividade dos produtos brasileiros. Essa seria uma resposta necessária à mudança da atitude dos EUA em relação ao projeto de integração comercial hemisférica, hoje com baixa prioridade na agenda comercial negociadora dos EUA.
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