23/02/2010
A política externa do governo Lula
Rubens Antonio Barbosa

O documento “A Política Internacional do PT”, examinado no Congresso do Partido dos Trabalhadores na semana passada é uma versão mais branda e polida do trabalho “A Política Externa do Governo LULA”, de autoria do Secretário Internacional do PT, Valter Pomar.

A análise de Pomar mostra a influência do PT na política externa do governo Lula, tornando evidentes as motivações ideológicas e partidárias da ação do Itamaraty nos últimos sete anos. Pareceu-me adequado em lugar de uma análise critica, reproduzir literalmente algumas das principais afirmativas incluídas no trabalho, deixando ao leitor a tarefa de tirar suas próprias conclusões.

A grande novidade nas decisões sobre relações internacionais do Congresso do PT foi a sugestão de criar um Conselho Nacional de Política Externa, com participação social (sindicatos, ONGS, movimentos sociais (MST).

“Na política externa, as diferenças entre o governo Lula e FHC sempre foram muito visíveis. A política externa antecipou o movimento progressista do governo Lula, estando desde o início sob a hegemonia de concepções fortemente críticas ao neoliberalismo e a hegemonia dos EUA. Contribuiu também a militância internacionalista do PT e do Presidente Lula, expressa na criação de uma assessoria especial dirigida por Marco Aurélio Garcia.

“Objetivamente, a política externa do Presidente Lula faz o Brasil competir com os EUA (sic). Comparada com outras potencias, trata-se de uma competição de baixa intensidade, até porque a doutriana oficial do Brasil é de convivência pacifica e respeitosa (cooperação franca e divergência serena com os EUA).

“Inclusive por se dar no entorno imediato da potência, a competição com o Brasil possui imensa importância geopolítica e tem potencial para, no médio prazo, constituir-se em uma ameaça aos EUA (sic). Isso é confirmado (....) pela manutenção pela Administração Obama da política de acordos bilaterais e de exibição de força bruta (IV frota, bases na Colômbia, golpe em Honduras e reafimação do bloqueio contra Cuba). É nesse marco que vem se travando o debate sobre a renovação do equipamento das FFAA brasileiras (sic), o submarino de propulsão nuclear e a compra de jatos de combate junto a industria francesa.

“O Governo Lula é não apenas parte integrante, mas também forte protagonista da onda de vitórias eleitorais progressistas e de esquerda ocorrida na América Latina entre 1998 e 2009.

“Governo Lula adotou a integração regional como seu principal objetivo de política externa e busca acelerar a institucionalização da integração regional, reduzir a ingerência externa, as desigualdade e assimetrias. Foi com este espírito, de convergência de políticas de desenvolvimento, bem como de ampla integração cultural e política, que o governo Lula trabalhou para manter o Mercosul e cooperar com os outros acordos sub-regionais.

“Embora toda política progressista e de esquerda deva necessariamente envolver um componente de solidariedade e identidade ideológica, a dimensão principal da integração, na atual etapa histórica latino-americana, é a dos acordos institucionais entre Estados, acordos que não devem se limitar aos aspectos comerciais. Este é o pano de fundo da CASA, agora chamada de UNASUL.

“Com esses objetivos, o governo Lula tem implementado duas diretrizes:

“a)politicamente, opera com base no eixo Argentina-Brasil-Venezuela. Sem desconhecer as distintas estratégias das forças progressistas e de esquerda atuantes em cada um desses países, é da cooperação entre eles que depende o sucesso do projeto de integração. (foi apenas durante o governo Lula que a Venezuela passou a ser reconhecida com um dos principais protagonistas do processo de integração).

“b) estruturalmente, busca implementar uma política de integração de largo espectro, envolvendo projetos de infra-estrutura, comerciais, de coordenação macro-economica, de politcas culturais, segurança e defesa, bem como a redução de assimetrias

“As negociações com a Bolivia (gás), Paraguai (Itaipu), a disposição permanente de negociar com a Argentina e com a Venezuela, entre outros, devem ser vistas como integrantes de uma política mais ampla, que já foi chamada, inadequadamente, pois, remete ao projeto hegemônico norte-americano, de plano Marshall para a América do Sul.

“O crescente protagonismo global do Brasil deve ser combinado com a reafirmação e a ampliação de seu compromisso com a integração regional, seja porque o protagonismo está fortemente vinculado aos sucessos latino e sul-americano,seja porque as características geopolíticas do país e de sua política externa conferem ao Brasil posição insubstituível no processo de integração regional.

“Frente a desafios gigantescos, a política externa implementada pelo goveno Lula é uma política de Estado. Mas parcela da classe dominante brasileira rejeita os fundamentos desta política, conferindo reduzida importância à integração regional, desejando menor protagonismo multilateral e preferindo maior subordinação aos interesses dos EUA.” Apesar de nesse sentido ainda não ser uma política de Estado(sic), a política externa do governo Lula tampouco é uma política de partido.

“Isso significa que, no curto prazo, a continuidade da atual política externa dependerá do resultado das eleições presidenciais. Mudará a correlação de forças regional, resultando no adiamento dos processos de integração e na interrupção do reformismo democrático-popular.

“A rigor, a atual política externa do Brasil corresponde aos interesses estratégicos de uma potência periférica, interesses que nos marcos do governo Lula e de um futuro governo Dilma comportam uma dupla dimensão: por um lado empresarial e capitalista e por outro democrático-popular”.



Rubens Barbosa, ex-Embaixador do Brasil em Londres e em Washington
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