14/05/2013
A QUEM POSSA INTERESSAR
Rubens Antonio Barbosa

Poucos no governo, e mesmo no setor privado,parecem estar atentos às profundas mudanças que estão ocorrendo no comércio internacional e às suas consequências sobre o setor externo brasileiro.

Com a eleição,agora, de um brasileiro para o comando da OMC talvez surja um maior interesse nas implicações desse novo cenário sobre a economia brasileira, em especial sobre nossa politica industrial e de comércio exterior.

Em termos geoeconômicos, está ocorrendo a transferência do eixo econômico e comercial do Atlântico para o Pacifico, com a emergência da China como o maior importador e exportador global. Nos próximos anos, por conta da produção de empresas estatais chinesas, sobretudo na África, a China será uma exportadora líquida de produtos agrícolas e de minérios.

As transformações no processo de globalização estão sendo aceleradas pela tendência de concentração da produção de manufaturas em poucos países. Em futuro não distante haverá apenas um reduzido número de países com grande produção industrial: EUA, Alemanha, Japão e China.

Enquanto ocorre essa forte concentração, a fragmentação da produção de bens industriais em diversos países fez surgir o comércio das cadeias produtivas, iniciado pelas empresas multinacionais. Algumas consequências dessa tendência podem ser identificadas:

- A dinâmica do comércio das cadeias produtivas globais leva à exclusão de países e à fragmentação da produção, com consequência negativa sobre o comércio de manufaturas.

- A capacidade de cada pais de vender passa a depender da capacidade de compra do resto do mundo, como mostra a Embraer.

- Fora do circuito das cadeias produtivas globais, a maioria dos países em desenvolvimentoestá concentrando suas exportações em commodities.

A lógica do comércio tradicional é diferente daquelado comércio de cadeias produtivas. Enquanto no primeiro a produção interna é vendida para outro pais e as barreiras existem nas fronteiras (tarifas e restrições não tarifárias), no segundo, os países produzem para as cadeias produtivas no marco dos novos acordos comerciais com regras próprias que regulam politicas internas de investimento, de propriedade intelectual e de compras governamentais.

A OCDE e a OMC estão propondo que as estatísticas do comércio internacional sejam computadas pelo comércio de valor agregado. Em outras palavras,os números do intercâmbio comercial deveriam medir a contribuição industrial e de serviços que cada pais agrega ao produto industrial final.

Estamos assistindo a uma proliferação de megaacordos regionais e bilaterais de comércio. Nos últimos anos,dos543 acordos de livre comércio em negociação,354 entraram em vigor. Dois mega acordos estão em marcha: o a Parceria Trans-pacífica na Ásia e a Parceria Transatlântica entre os EUA e a Europa, envolvendo 1/3 do comércio mundial. Japão e China mudaram sua politica e passaram a negociar acordos bilaterais. Na América do Sul, países como Chile, Colômbia e Peru assinaram acordos comerciais com os EUA e a Europa e estão negociando acordos na Ásia.

Esses acordo estão criando diferentes regras sobre investimento, compras governamentais, serviços, regra origem, competição, salvaguardas, propriedade intelectual e sanitáriasà margem das discussões multilaterais da OMC, com profundas consequências para os países em desenvolvimento. Enquanto a OMC procura regular e facilitar o intercâmbio tradicional, novas regras do comércio das cadeias produtivas começam a ser definidas de forma ad hoc nos acordosregionais, tratados bilaterais de investimento e por reformas unilaterais dos países em desenvolvimento. Esse fato estáocasionando a perda de importância da OMC que,paralisada nas funções de negociação multilaterais, assiste àessa multiplicação de regras que vão além das hoje existentes na Organização.

A revolução energéticanos EUA, em consequência do aproveitamento do folhelho (gás de xisto), está acelerando o processo de re-industrialização. Esse fato deverá acarretar profundas modificações no mercado de óleo e gás e de manufaturas no mundo inteiro. Arenovada agressividade comercial dos EUA vai propiciar a abertura de mercados para os produtos americanos e aumentar a pressão para que os países adiram às novas normas. Isso foibem exemplificado por recentes propostas da NationalForeign Trade Council(NFTC) ao Congresso em Washington no curso das discussões para renovação do TPA. Propõe o NFTC, entre outras medidas, que sejam fortalecidas as regras internacionais contrárias a leis e procedimentos que condicionam acesso ao mercado nacional a investimento local, aquisição de suprimentos locais ou transferência de tecnologia.

Nunca a influência de fatores alheios ao comércio esteve tão presente nas negociações comerciais.Considerações de natureza geopolíticaestão se sobrepondo a diferenças internas para permitir a prevalência de interesses concretos como no caso do acordo EUA-UE e no da Ásia. Esses acordos claramente visam à contenção da China e ao estabelecimento de regras e padrões (standards) que os demais países deverão seguir, se quiserem exportar para aqueles mercados.

Finalmente, a desvalorização competitiva das moedas,com a manipulaçãodas taxas de câmbio,permite ganhos comerciais e, no caso de muitos países,anula a proteção legitima representada por tarifas estabelecidas pela OMC.

O Brasil, sem estratégia de negociação comercial e com dificuldades para criar um mercado regional para seus produtos, integrando os demais países em um intercâmbio de cadeia produtiva, a exemplo do que ocorre na Ásia e na Europa, está cada vez mais isolado. E,se persistir a politica de ignorar o que ocorre no mundo, dificilmente poderá associar-se às novas tendências do comércio internacional.

Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

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